Última gota

Euna Britto de Oliveira

Trinta e três dias de Hospital,
dias que ofereço agora, um por um,
em honra de cada um dos trinta e três anos
que Cristo passou na Terra...
Em Ação de Graças por nos ter dado você!

— “Se aqui fosse tão bom assim, Cristo não teria ficado só trinta e três anos!...”
Dizia ele, de vez em quando, em tom de brincadeira.
Comentava isso geralmente na hora do almoço,
quando D.Almezina vinha lavar ou passar roupa, e almoçava conosco.
Ela ria... Já o conhecia! Relevava suas irreverências...
Vinte e cinco anos de amizade e trabalho fazem dela uma pessoa da família!
Mas eu não achava graça nenhuma nessa conversa!

Na verdade, ele queria muito ficar na Terra!...
Gostava daqui, gostava da gente, gostava de suas coisas...
Achava a Terra um planeta privilegiado e lindo!
Super-ativo e muito contemplativo!...
Inúmeras vezes, eu vi a beleza da Terra porque ele via primeiro
e me mostrava depois...
Abria meus olhos!
Freqüentemente, chamava-me para testemunhar o Amor de Deus!
A Via Látea, as estrelas, ainda mais visíveis lá no sítio!...
As quaresmeiras, que o encantavam,
a ponto de me telefonar pra dar notícia delas!...
O pôr-do-sol, as flores...
Mas quando pensava na morte,
o que fazia freqüentemente,
mesmo no tempo de aparente plena saúde física,
procurava se animar e confortar-se
com a lembrança do tempo de Cristo na Terra!
E com a esperança da Ressurreição!...

Todas as religiões procuram acalmar o medo da morte.
Todos temos medo, mas uns têm mais calma... ou mais confiança!
Penso que a diferença é essa.

Gosto do Brasil desse jeito
por causa dele, que me ensinou a gostar!
Corri perigo de me deslumbrar com o estrangeiro!...
Não trocava o Brasil por país nenhum,
por nenhum outro lugar do mundo!
Nem pela Suíça, que durante dois anos nos tratou tão bem,
e com a qual criamos elos...
As aulas de Moral e Cívica, OSPB, EPB
não eram só ganha-pão, eram por convicção!
Sabia os defeitos daqui, mas via as qualidades!...
Qual o país que não tem seus defeitos?...
Pelo menos os nossos, mesmo os mais graves, são contornáveis!...

Última noite,
dormi ao lado dele no hospital,
em nível mais baixo, no sofá que encostei à sua cama,
segurando sua mão.
Minha mão direita na sua mão esquerda.
A mão de temperatura ainda gostosa e sempre agradável,
eu sabia que em breve iria esfriar!...
Ah, se eu pudesse manter aquela temperatura, divi-
dindo a minha com ele!...

A morte não o teria esfriado!

Intensa agonia na madrugada!...
Seu último gesto, eu de pé junto à cama,
e ele me buscando com o resto da força de suas mãos,
que escorregavam sobre minha blusa lisa e branca, de malha fria...
Queria me dizer alguma coisa, e não conseguiu.
Seus últimos olhares ou tentativas de olhar...
Logo depois, seu sono que já era coma.

Quando foi de manhã, por volta das oito horas,
depois de a copeira haver servido o café da manhã do Hospital,
que até cheguei a tomar,
ele não deu um grande suspiro, como Cristo deu ao expirar!...
Sua respiração foi-se espaçando, diminuindo...
E parou!

Morrer é não poder dar mais as mãos...

E vocês, minhas mãos,
cruzadas assim sobre o peito,
um dia vamos esfriar e descansar também,
sabiam?...

Enquanto temos tempo,
vamos dar as mãos!...
Ok?
Depois, não digam que não avisei!
Tudo pelo que já passei...
Tudo que já presenciei!...

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.