Panorama

Euna Britto de Oliveira

Com umas vinte horas de vôo,
a turbina do avião me lembra um bujão de gás.
Há ausência de bombeiros a bordo,
e a possibilidade de a viagem
virar manchete nos jornais me deixa mofina.
Quem me garante o contrário?
Olho meus companheiros de aventura.
Inspiram-me proteção.
Há super-homens no comando.
Na seleção, como os melhores escravos,
mostraram ter dentes bons!...

Todos estamos atrelados às cadeiras do avião,
é proibido fumar.
O mais pesado que o ar trepida e se atreve!
Daí a pouco,
quem quiser, poderá fumar,
de um só lado da aeronave,
mas pouca gente se arrisca!

Vistas do alto,
as cidades são mini-cidades,
construções de brinquedo que vão surgindo,
pra consolo de quem ainda não viu Madurodan,
na Holanda...

Desenho mapeado, mapa animado,
a terra vista de cima é mais que atlântica,
pacífica!...
Os rios imitam no chão
os ziguezagues que os homens fazem na vida...
Perfuro as nuvens!...
Decepcionada,
vejo que nuvem é sereno,
sereno condensado.

Para os aviadores,
não há canto de sereia.
Essa armadilha é do mar.
É o mar que eu avisto,
todo beliscado de ondas!...
Com fama de "aguão" sem fim,
tem começo nas praias resistidas.

Estamos acima das nuvens
e isto é especial.
Vejo o céu pelo avesso.
Nuvem parece nuvem outra vez,
colchão,
fofura,
patamar,
estação no caminho
entre o homem e Deus.

Deus – Deste é que eu não vejo nem o princípio nem o fim,
porque começou muito antes de lá de baixo e,
passando por mim,
continua no azul infinito...

As paisagens me espiritualizam mais
que todas as sinfonias concebidas
nas tréguas do pecado.
Para minhas retinas aerofotográficas e vorazes,
alvoreceres, voragens...

Um pássaro com cabeça de gente sabe onde vai me deixar.
Fazendo rodas,
abaixa-se,
acha o estrado no chão.
Dá uma parada bonita,
sem mais zoada,
entrega-me!

Ao pé da escadinha,
um rapaz atraente,
com farda dos aeroportos,
sorri para mim!
Ele me reconhece e embevece...
É Luís Carlos,
meu aluno na primeira série,
que tinha letra bonita e os cadernos mais lindos!...
Foi alfabetizado por mim.
Acho que a primeira professora,
a gente nunca esquece!
Os primeiros alunos,
também não!!!...
Agüenta, coração!

Voei no espaço e no tempo...
Compensa!

Na outra vida,
quem estará onde eu chegar?...

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Ofereço este poema A Luiz Carlos, a todos os alunos da sala de Luiz Carlos,
a todos os outros meus ex-alunos, que, em sua maior parte,
nunca saberão deste poema,
nem de mim...
Uma pequena homenagem aos que alfabetizei.
Deram-me a oportunidade de ganhar muitos merecimentos e de sentir muitas alegrias!...
Sinto-me cada vez mais gratificada por terem feito parte de minha vida!...

Aeroporto da Pampulha – Vôo de volta de Salvador para Belo Horizonte – 1981

NOTA: Ao tempo em que escrevi este texto, era permitido fumar no avião, no lado dos fumantes... como se fumaça respeitasse fronteira, em tão exíguo espaço!
Ainda bem que não se pode mais fumar em avião, de jeito nenhum!
Segurança é coisa boa, e todo mundo gosta!
BOA VIAGEM a todos que vão viajar de avião!...
É uma bênção poder voar!...

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.