Prefácio do Livro "Trilhos"

Saul Martins ( Professor, Escritor, Doutor em Ciências Sociais)

15/03/2002

No que se refere à forma, prefiro a poesia clássica. Mas leio com prazer e até me emociono quando o poema, ainda que moderno, possua bom conteúdo. É o caso da poesia de Euna Britto de Oliveira, misto de pensamentos elevados e lembranças amenas, por vezes tristes. A poetisa não foge à regra, pois ninguém é só feliz no mundo o tempo todo. Ela expressa muito bem o contraditório quando revela em verso:
Há momentos que viver é mais difícil que morrer. Sim, concordo.
Em outros passos de sua excelente obra, chamaram-nos a atenção as quatro estrofes a seguir:

...olhos que não viram a morte,
Mas vão ver.

Minha mãe?
escapuliu,
Virou lembrança, alçou vôo...
Tem jeito não!

Mais que genealógica,
a árvore da vida é sem lógica.
Há um rodízio de nascimentos e mortes,
não sei se são com datas marcadas
para começo e fim.

Já viram a morte?
Está viva!

Tem jeito não, Euna!
Foi assim e assim será:
se alguém nasceu, morrerá.

Premonição de Euna:
— Morro de medo de ficar pra viúva!
Em outro volume de sua obra extensa, confirma o temor:
— Vou virar vovó, viúva não, anciã.

Frasista de primeira ordem, o seu livro contém frases lapidares e belos versos. Adora, na poesia, formar seqüências de rimas, como os dois exemplos que escolhi, entre muitos:

...aspiro, inspiro,
respiro...
conforme a hora,
suspiro...
...esporas,
esperas,
espúrias horas que expiram.

Busca na palavra mais o som que o sentido.

Além da poesia, que nos une, as coincidências: representei o primo Henrique no seu casamento civil com Euna, realizado aqui em Belo Horizonte no dia 10 de março de 1965. Ele estudava em Genebra, Suíça. Senti-me valorizado, naturalmente. E agora, na falta insubstituível do pai, de novo o represento no casamento religioso da filha Evelyne, conduzindo-a ao altar para o matrimônio dela com seu amado noivo Carlos Henrique.
Das frases de efeito, escolhi doze belos exemplos para ilustrar este modesto prefácio:
• Vitória é o encontro final com a esperança.
• Quão baixas seriam as alturas se tivéssemos asas.
• Somos todos muito iguais na desigualdade.
• Há tantos sem nada de tudo,
há tantos com tudo e sem nada.
• Não é que eu goste de escrever, eu preciso.
• O primeiro espelho do mundo foi a água.
• A felicidade estica a vida da gente.
• No Brasil, está proibido ser índio.
• Se o fato de olhar para o céu baixasse a cor e colorisse o olhar, hoje eu teria olhos azuis.
• Escrever é conversar sozinho.
• A vida é uma constante aprendizagem
• Nos sonhos, tudo se realiza.
Não resisto a vontade de citar uma estrofe que recolhi ao acaso:
Aos trancos e barrancos
construímos nossa casa,
não nossa paz,
isso que nem sabemos
como se faz.

Agradou-me sobremaneira a Autora incluir em sua obra poética várias e variadas manifestações folclóricas, como as que se seguem:
Bota de sete léguas, mau-olhado, quebranto, dia de São Nunca
(1º de novembro, todos os santos), mãe-d’água, bruxa magrela, sereias, lobisomem, João e o pé de feijão.

Êh tutuia,
carne no prato,
farinha na cuia.

Já se vê que a poesia de Euna Britto de Oliveira é escorreita, elevada e bela. Seu livro é da melhor qualidade, valoriza a literatura, deve ser lido e comentado.

Saul Martins
Doutor em Ciências Sociais e Escritor

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.