Ruas

Euna Britto de Oliveira

Ruas era um homem curioso,
de quem ninguém conseguia não gostar.
Fisicamente, lembrava um pouco o tal homem de Neandertal.

Pessoa boníssima, pai de família e pai da paciência,
amigo fiel, trabalhador excelente.
Por profissão, vaqueiro.
Por nacionalidade, brasileiro.
Mas não sabia nem quem era Juscelino, então nosso Presidente!...
Ruas sabia era do serviço, das vacas paridas, dos bezerros que tinha
de apartar, das vacinas que tinha de aplicar,
do gado que devia campear...
Quando vejo na televisão, em algum programa, em alguma novela,
gado atravessando rio,
eu me lembro de Ruas, conduzindo a vacaria,
atravessando o rio Mucuri...onde dava vau... na fazenda,
entre Nanuque e Carlos Chagas.
Acho bonito demais o nado do gado para atingir a outra margem!...
Mesmo a rês que nunca nadou consegue atravessar, não sei como!
Eu demorei tanto a aprender nadar!...
Ele sabia aboiar, com ou sem berrante.

Emitia um som tristíssimo e pungente que cortava a alma da gente!...
Ah... Germínio Ruas, você fez história!...
Lembra-se do recém-nascido que tirou das águas?...
Não era outro Moisés do Egito.
Era um bebê sem sorte,
pequenina vítima de preconceitos
de um tempo em que eles ainda eram bem maiores
do que hoje!...
Bebê jogado no rio para afogar alguma história...
Branquinho, de cabelo preto, umbigo ainda sem curar,
e peixe já havia roído o pintinho dele...
Um cinto de pano azul desbotado amarrado ao pescoço,
com uma laçada na ponta, de onde deve ter escapulido uma pedra
de mais ou menos um quilo...
Para afundar!
Medo de língua do povo faz coisa!...
O rio cheio, a água barrenta,
você pegou o barco e foi verificar, atalhar e resgatar
o que depois vimos que era não o porquinho, como os meninos, meus irmãos, pensaram mas um filho de gente!...
Cavou uma sepultura ali mesmo, acima do barranco,
na margem do rio,
e fez a caridade de enterrar um anjo!...
Eu tinha 17 anos e assisti a esse enterro.
Você, Ruas, é de Deus!

Qualquer dia vou comprar um berrante e colocar em minha casa
para lembrar de sua bondade!
Pode ser que algum anjo venha pastorear
os brancos da minha memória
e nos reúna noutra história...

A Germínio Ruas
Cidadão brasileiro – Vaqueiro.
Onde estiver...

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.