Declaração de Nunca Mais

Euna Britto de Oliveira

Vou assim,
Comprando o que gosto e o meu dinheiro agüenta.
Agüenta pouco, mas é melhor do que nada.
Vender, eu não sei, nem gosto.
Gosto de comprar.
Isto, não sei se sei.
Gasto...

Nós, que não gostamos de perder nem a vista
Que se descortina da janela do nosso quarto,
Como vamos aceitar perder de vista uma pessoa querida?...

Houve um tempo em que a janela oferecia gratuitamente
A montanha de cristal coruscante,
Porque é esta a impressão que nos passa
A parte alta
Iluminada
Da cidade,
À noite.

Primeiro, veio uma árvore.
Ao ser transplantada do vaso da vizinha
Para o terreno da casa da própria,
Virou uma árvore enorme!!!...
Um Ficus.
Não um Ficus Benjamin, de folhas pequenas,
Que seria igualmente grande!
Um Ficus Robusta, de folhas grandes!!!...
Um Ficus... Que ficou...
Até a demolição daquela casa!...
Essa árvore parece um círculo viciado em folhas...
Árvore densa,
Imensa!...
Em lugar adequado, cairia muito bem!
Uma bela árvore tem seu lugar!
Sou a favor das árvores
E até já plantei muitas.
Gosto tanto de árvores,
Que não sei como não nasci árvore!
Deve ser porque gosto mais de pássaros.
Amo ser livre e leve como um pássaro...

Essa árvore aí?!...
Ai!...
Tapou a vista que tínhamos da cidade,
Mas não impedia o sol de nos achar na cama...
Depois, a casa e a árvore cederam lugar
A um prédio de apartamentos.
Deixamos aí toda a esperança de ver outra vez
A cidade acesa,
À noite,
A partir de nossa casa.

Há coisas que correspondem a uma
Declaração de Nunca Mais!...
Com a maior sem-cerimônia,
Um prédio que se ergue ao lado de uma casa é uma
Declaração de Nunca Mais
Para os habitantes da casa,
Que não mais verão longe,
A partir da própria casa,
Da casa própria ou alugada,
Agora imprópria
Para o consumo do horizonte...
"C´est la vie..."

BH, 25/03/2006

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Escrito no Portal do Inferno imaginado pelo escritor italiano, Dante Alighieri:

"Deixai toda esperança,
ó vós que entrais!"

Inferno, Canto III, 9
(Dante Alighieri - Itália, 1265-1321)

Ilustração:
Dante perdido na selva escura.
Ilustração de Gustave Doré (séc XIX).

Fonte: Google

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Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.