MÃE DIDI
Cora Coralina
Alguns perguntam pela minha vida, pelo embrião primário,
de como veio e se encontrou comigo a minha poesia,
a presença primeira do meu primeiro verso, eu respondo:
Ela cascateia há milênios.
Minha Poesia... Já era viva e eu, sequer nascida.
Veio escorrendo num veio longínquo de cascalho.
De pedra foi o meu berço.
De pedras têm sido meus caminhos.
Meus versos:
pedras quebradas no rolar e bater de tantas pedras.
Dura foi a vida que me fez assim. Dura, sem ternura.
Dolorida sem sentir a dor.
Ausente sem sentir a ausência.
Distante tateando na distância.
Tudo cruel. Todos cruéis.
Impiedosos.
Em torno, o abandono.
Aninha, a menina boba da casa.
Foi uma ex-escrava que me amamentou no seu seio fecundo.
Eram os seus braços prazenteiros e generosos
que me erguiam, ainda rastejante, e
Aninha adormecia, ouvindo
estórias de encantamento.
Minha madrinha Fada...
Eu era Aninha Borralheira.
Era ela que me tirava da cinza
e me calçava sapatinhos de cristal.
Me vestia. Me carregava na Procissão.
Eu dormia na cadeirinha de seus braços.
E sonhava que era um anjo de verdade
aconchegada na nuvem macia do seu xaile.
Toda a melhor lembrança da minha puerícia distante
está ligada a essa antiga escrava.
No tarde da minha vida assento o seu nome na pedra rude
do meu verso: Mãe Didi.
Para você, Mãe Didi, esta página sem brilho
do Meu Livro de Cordel.
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Ilustração: Caderno de Cora Coralina...
Quem visita a casa de Cora, na cidade de Goiás Velho, hoje transformada em seu museu, pode ver os caderninhos onde anotava seus versos...
São desse jeito!...
Sinceros agradecimentos pela preservação da Autoria.